sábado, 26 de novembro de 2011

CTRL V e pensamento crítico

A velha máxima professada em tempos longínquos por Lavoisier que “no mundo nada se perde, nada se cria, tudo se transforma”, foi ressignificada na sociedade digital do século XXI, e sua melhor expressão se deve à genialidade do Chacrinha: “nada se cria, tudo se copia”. É o imperativo do CTRL C + CTRL V, a lei do menor esforço do pensamento, as pesquisas baseadas no “doutor gooogle”. Há, ao menos, dois aspectos na lógica do CTRL V: o primeiro a questão da recriação, da citação, da agilidade na busca de informações, esta menos sombria. O outro é a do mero ato de copiar e colar, nome do comando CTRL V, colar sem pensar, às vezes sem ler, reproduzir sem criticar, algo muito funesto para o pensamento crítico.

O que se denominou acima pensamento crítico, poderia ser resumido na formação de seres humanos autônomos, dotados de criatividade, capazes de ler, interpretar e criticar as informações que recebem seja no mundo da web, seja em qualquer outra fonte de informação. O antípoda disto é a disseminação do homem medíocre, que não consegue filtrar as informações criticamente, reproduz apenas o que recebe, sentindo-se senhor da verdade (ainda que seja uma verdade alheia a ele), não consegue criar nada apenas copiar de alguém e colar como se tivesse dito tão nobres palavras. Nesta dualidade encontra-se o paradoxo fundamental da geração CTRL V.

Comumente se ouve nas ruas que a geração dos nativos digitais não conseguiu até hoje produzir um grande gênio que esteja fora das teias virtuais. As referências passam a ser a grande maçã de Jobs, que já traz a máxima capitalista no seu sobrenome, ou quem sabe um Bill Gates, que num ato de nobreza decide compartilhar um porcento da sua riqueza em obras de caridade. Na música as referências são... Quem mesmo? Lady Gaga? Bieber? Prefiro ficar gagá e tomar uma bier... Não professo uma visão catastrófica, mas os ídolos e referências da cultura pop estão diretamente ligados à lógica do CTRL V. Os artistas, pensadores e intelectuais, cada vez mais não conseguem a espontaneidade do pensamento criativo, se refugiam no passado, em referências e mais referências, que acabam por diluir a pedra de toque da liberdade: a ruptura com uma estrutura de pensamento e ações pré-estabelecida. Assim o fizeram várias figuras num tempo não muito distante, dos Mutantes a Tom Zé, de Vinicius, Jards Macalé, os irmãos Campos a Arnaldo Antunes. Assim o fez, no ínicio do século XX, Walter Benjamin, filósofo alemão morto precocemente na Segunda Guerra.

Benjamin, bem antes do surgimento da lógica do CTRL V, pautava seus estudos através da citação. Queria escrever uma obra inteira com citações. Mas ele estava longe da idéia da mera cópia passiva e desinteressada. Sua noção de citação significava retirar as ideias de um contexto original, adaptando-as a um novo contexto, colocando-as em diálogo com outra constelação de ideias. E assim, numa linguagem digital, ir linkando dialéticamente ideias diferentes para a construção de um argumento novo. Há aqui pensamento, há criação. É o que Oswald de Andrade buscou, é o movimento antropofágico de devorarmos o velho em nós mesmos para criação do novo. Se o CTRL V significasse este movimento de ideias, aí sim seria um movimento profícuo. Cópia por cópia, o conteúdo se esvai, não cola no cérebro de quem copia. E pior, atrofia cada vez mais este cérebro copiador, preguiçoso, que não sente o ímpeto de se deslocar à procura da criação. Apoiados nos filósofos Oswald e Benjamin, talvez pudéssemos pensar: “Nada se cria, tudo se cita, tudo se absorve, tudo se recria”. Antropofagia do pensamento.

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